A implantação de um curso de medicina em Araçatuba trouxe aos moradores da região a promessa de abastecer a saúde local com profissionais capacitados. Com a formação dos estudantes e sua atuação posterior, há a possibilidade de elevar a distribuição de médicos no território – uma necessidade, já que os 40 municípios do DRS (Departamento Regional de Saúde) de Araçatuba têm 1,5 profissionais da área por 1 mil habitantes, segundo o Portal da Demografia Médica.
O indicador é inferior à razão estadual de 2,58 médicos por 1 mil habitantes e é o terceiro mais baixo entre 17 recortes paulistas, à frente apenas de Registro e São João da Boa Vista.
Além do potencial de fornecer profissionais para as clínicas, hospitais e aparelhos públicos de saúde regionais, o início do curso de medicina do Unisalesiano (Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium) aproximou pessoas de um sonho. Desde 19 de fevereiro, data da aula inaugural, esses estudantes descobriram que a concretização da aspiração profissional significava também fazer esforços como ter uma dupla jornada, passar horas na estrada todos os dias ou estar a milhares de quilômetros de distância da família.
ODONTOLOGIA
O cirurgião bucomaxilofacial Rodolpho Valentine Neto, 37 anos, passou se contentar com apenas quatro a cinco horas de descanso diárias. As manhãs e tardes são preenchidas pelas aulas, realizadas em período integral. A partir das 18h, ele inicia o atendimento no consultório.
De madrugada, o estudante ainda chega a pegar nos livros para revisar o que viu durante as aulas. Formado em odontologia pela Universidade Federal do Piauí, Valentine Neto conta que sempre teve intenção de cursar medicina. Com a vinda da faculdade na cidade onde mora atualmente, ele enxergou a possibilidade de colocar esses planos em prática.
Estudar medicina para ele é uma forma da aumentar a área de atuação, não um abandono da odontologia. “De forma nenhuma é uma negação de tudo que eu já fiz. Na verdade, é para complementar.” O foco de Valentine é se tornar clínico-geral. “Pode parecer romantismo, mas gosto muito de atender as pessoas. Minha ideia é ampliar minha possibilidade de atendimento com a medicina, atender de uma forma mais global.”
ESTADOS UNIDOS
Até outubro do ano passado, a estudante de medicina Ana Paula Caldas Soares, 24, vivia nos Estados Unidos. Ela é de Fortaleza, mas havia trocado a capital cearense por Miami para ampliar os negócios da família, abrindo uma filial do grupo que trabalha principalmente com óticas em território norte-americano. Foi em outubro passado que Ana Paula percebeu que preferia estar no próprio país.
“As expectativas de qualidade de vida que a gente pensa encontrar nos EUA são muito mais para quem já é cidadão.” Ana Paula percebeu que o sistema e a forma de lucro do outro país não ofereciam a rentabilidade esperada.
Ela acredita ainda que mesmo quem tem uma boa condição financeira, ao ser estrangeiro vivendo no solo americano corre o risco de lidar com subemprego. “Como já sou formada em administração e já tinha uma vida muito boa aqui, eu não olhei como boa oportunidade.”
Ao voltar para o Brasil, ela resolveu realizar o antigo sonho de ser médica, por isso começou uma pesquisa a procura de vestibulares da área que ainda permitissem inscrição. Foi por meio dela que teve contato com o curso de medicina em Araçatuba.
“Vi que haveria o vestibular aqui em janeiro. É incomum e foi ótimo para mim, pois me deu alguns meses para estudar e consegui me inscrever.” Ana Paula deseja se especializar em oftalmologia, como seus dois irmãos, também médicos, e assim atuar no negócio da família.
MADRUGADA
Desde que começou a cursar medicina em Araçatuba, a estudante Jéssica Carvalho Buzzo, 19, passa duas horas do dia em um micro-ônibus na estrada, contando a ida para a cidade estuda e a volta para Gabriel Monteiro, onde mora. Ela acorda às 4h40, sobe no veículo às 5h30, chega no centro universitário às 6h30 e passa uma hora ainda a espera da aula.
“É cansativo, mas pensar que poderei ser ativa na sociedade e participar de uma melhora social ajuda, não deixa a gente desistir.” Ela tem interesse em se especializar em pediatria ou oncologia – ou ainda unir as duas áreas. Jéssica conta que o apoio dos familiares e a compreensão deles com sua rotina complicada são fundamentais. realizada
Jéssica se diz realizada em já no início do curso ter atividades mais próximas da prática, como assistir a professora de anatomia dissecar um cadáver e até poder tocá-lo (o que normalmente acontece em períodos avançados em cursos de medicina). “A experiência junto à teoria ajuda a gente a ter uma confiança maior e aprender com maior facilidade.”
Estudantes atravessam milhares de km para chegar em Araçatuba
Entre os alunos do curso de medicina do Unisalesiano há pessoas que atravessaram milhares de quilômetros do País para chegar a Araçatuba. Ana Caroline Almeida, 20, veio de Macapá, no Amapá. Os estados de Pará, Tocantins, Goiás, Minas Gerais separam as duas cidades. A distância é de aproximadamente 3,6 mil quilômetros. Hoje instalada em um flat, ela conta que inicialmente ficou em um hotel e veio sozinha para resolver todos os assuntos da mudança.
Ana Caroline conta que sempre quis ser médica. “Tenho uma grande admiração pela profissão, pela aptidão a ajudar as pessoas e aliviar as dificuldades.” O gosto pela saúde vem por influência do pai, que é médico. Foi ele, inclusive, quem viu pela internet que Araçatuba teria o vestibular de medicina.
Ao se mudar, Ana Caroline diz que encontrou hábitos, vocabulário e alimentação diferentes do que estava acostumada a ver em Macapá. Vatapá, maniçoba e o açaí feito com farinha de tapioca (e não adocicado com xarope de guaraná como o encontrado em Araçatuba) fazem parte da gastronomia típica da cidade natal, porém não são tão comuns na região. “É difícil se acostumar, mas compensa. Estou gostando muito dos professores, da estrutura.” Ela relata que já chegou a viver longe dos pais quando estudou no Recife.
ASSUSTADA
Já Fernanda de Macêdo, 23 anos, veio de Rio do Pires, no interior da Bahia (a 1,7 mil quilômetros). Ela conta que fez quatro anos de cursinho em Salvador e estudou dois anos e meio em casa até passar no vestibular em Araçatuba. Ela conta que de início, ao se dar conta que viveria em outro estado e com culturas diferentes, ficou um pouco assustada.
“Mas ao mesmo tempo, soube que me adaptaria, até porque fiquei seis anos tentando medicina. É um sonho. Quando a gente tem um sonho, a gente corre atrás e tenta buscar o que é melhor.” Fernanda acredita que o fato de já ter morado sozinha em Salvador e a companhia da mãe – que passará os primeiros meses da adaptação com ela em Araçatuba ajudarão a diminuir o impacto de ficar longe da família.
Ela adianta que já está feliz com a estrutura, os professores e com a didática do curso. “Há também o fato de a gente já começar a ter uma relação com pacientes. Sexta-feira, já vamos sair na comunidade, ter contato com as famílias”, disse Fernanda em entrevista à Folha na quarta-feira.
Ela lembra que no segundo dia de aula já teve contato com um cadáver, utilizou luvas e máscara e gostou de se sentir próximo da realidade de uma médica. “É como se eu ainda estivesse sonhando.”
Matéria feita pela jornalista Rafael Tavares e publicada pela Folha da Região.